Este ano estou comemorando 50 anos de idade e 30 anos em moda, bastante não?
Nesta idade querendo ou não acabamos por fazer reflexões sobre a vida pessoal e profissional, desta última só posso dizer que apesar das mudanças ainda falta muito para que haja uma evolução verdadeira do ponto de vista sócio cultural.
Explico: Hoje se fala muito sobre discriminação do público homossexual e dos negros, acho interessante que após tantos anos de liberdade de expressão ainda estamos discutindo estes temas e não aproveitando para aprender com as novas possibilidades.
Ainda fico surpresa com a atitude de algumas pessoas que não somente discriminam os grupos acima, mas que também discriminam designers, estilistas, criadores, ilustradores, etc. como se fossem os párias da sociedade.
Quando iniciei minha carreira há 30 anos, o pensamento comum era que o designer, o estilista ou o artista, eram pessoas sem nenhum estudo, que sem nenhuma perspectiva de uma profissão melhor abraçavam estas relacionadas à moda; como se fossem pessoas preguiçosas, ou que não tivessem tido outras oportunidades. Isso era um negócio para gays…(horrível isso!)
Lógico que para alguns isso mudou ao longo dos anos, mas ainda há muitos que pensam assim, devo dizer que com pesar ainda encontro muitos que não valorizam os profissionais da moda, e que durante muitos desses anos encontrei-me em várias situações discriminatórias, às vezes porque eu era mulher e, portanto um “ser” acéfalo sem poder de opinar, em outros casos uma pessoa sem preparo, sem estudos que optou por uma sub profissão ou subemprego (embora eu tivesse estudado), o mais triste é que esta desvalorização que sinto, não se limita à sociedade em sí, mas me assusta quando a percebo na minha casa, dentro da minha família; é chato, mas por vezes isso também acontece!
Nada de “glamurização”, isso na verdade é lenda… Só acontece para alguns, em geral, para aqueles que criam algo “investível” ou “inusável”, ou algo que só Lady Gaga ousaria vestir; mas a grande maioria permanece na obscuridade, criando para as grandes massas, trancafiados em enormes indústrias e sem nenhuma valorização.
É sempre tempo de esclarecer aos desavisados, que o profissional de criação de moda precisa estudar muito e sempre, além de cursar uma universidade para se preparar este profissional deverá continuar estudando a cada estação e durante toda a sua vida profissional, pois cada coleção é uma história nova a se criar.
Considero que o estilista ou designer é um estudioso das massas, que percebe seu comportamento, seus desejos e anseios, além de criar e desenvolver suas criações com bases históricas destrinchando os temas de cada estação e adaptando-os aos seus mercados de consumo. Além disso, o estilista precisa de um grande conhecimento sobre corte, costura, modelagem, tecidos, aplicações de cores, tingimentos, estamparia, lavagem e aviamentos, isso tudo sem considerar o domínio do desenho, métodos de pesquisa e vasto conhecimento de programas de computação.
Então conclui-se que este não é um profissional tão comum assim, pois não são poucas as habilidades de um estilista e nem tão pouco o conhecimento deste profissional que arquiteta o que se veste hoje e no futuro, e não raras as vezes em que deve ter o conhecimento do que se vestiu no passado.
Assim como não poderíamos viver sem o médico que nos orienta para a recuperação de nossas doenças, o advogado que nos defende em nossas questões, o engenheiro ou arquiteto que faz com que nossas vidas se tornem mais confortáveis; a presença do designer também nos é indispensável, não apenas pela beleza poética de cada criação, mas também, porque vestimo-nos todos os dias sem exceção. Precisamos de seu aconselhamento quanto ao que melhor vestir em ocasiões especiais, ou em como nos vestir de forma que possamos nos expressar enquanto seres humanos.
Isso sem considerar as inúmeras empresas de moda que sustentam milhares de famílias e que gera bilhões no Brasil e no mundo, por causa das criações dos estilistas/designers que fomentam a indústria da moda.
Estou nesta profissão nos últimos 30 anos e enfrentei muitas barreiras, sofri muitos infortúnios e discriminações, mas perseverando, estudando, lutando; criei meus filhos com muita dignidade e alegria, sou muito feliz e me sinto realizada com o caminho profissional que escolhi.
Por isso deixo o meu recado à todos aqueles que desejam abraçar essa profissão, que vocês como eu se esforcem, estudem e lutem mesmo contra todas as adversidades, as coisas estão mudando sempre, e mudarão ainda mais… não desistam por causa daqueles que não entendem o senso criativo e tampouco conhecem a engrenagem da moda….
Lutem por seus ideais, porque tudo que se faz por amor vale à pena!
Julia Amaral 